O que é sionismo?

Integrante do Vozes Judaicas, Iara Haasz explica os objetivos e atuação do sionismo hoje

O sionismo é um movimento político que emergiu no final do século 19 com o objetivo de estabelecer um Estado Nacional para os judeus na Palestina. “É uma ideologia nacionalista judaica que surge como uma resposta por parte da comunidade judaica ao antissemitismo europeu”, explica a integrante do coletivo Vozes Judaicas, Iara Haasz.

O movimento sionista ganhou materialidade após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, quando, em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou um plano para dividir a Palestina em estados árabe e judeu, culminando na criação do Estado de Israel no ano seguinte.

Em entrevista, Haasz explica quais os objetivos do movimento sionista hoje e suas formas de atuação.“Ele visa criar e sustentar um estado judaico, para isso, precisa ter controle populacional para a manutenção da maioria judaica. Este se dá por meio de sua estrutura colonial de povoamento (na Palestina) e de um sistema de apartheid (segregação de palestinos)”, destaca.


Igualize: O que é o sionismo?

Iara Haasz: É uma ideologia nacionalista judaica que surge no final do século 19 como uma resposta por parte da comunidade judaica ao antissemitismo europeu. Também existe o sionismo cristão, que apoia a ida de judeus para o Estado de Israel como parte de uma profecia bíblica. 

Como o Holocausto influenciou o movimento sionista e a criação do Estado de Israel?

Haasz: Antes do Holocausto o apoio dentro da comunidade judaica ao movimento sionista era ínfimo, e principalmente de judeus bastante religiosos. Depois do Holocausto, facilitou-se a imigração de sobreviventes para a Palestina que, antes da Organização das Nações Unidas (ONU) decretar a criação do Estado de Israel, era uma colônia britânica. Muitas destas pessoas que passaram pelos horrores do Holocausto tentaram imigrar para outros países e foram rejeitadas, aceitando, então, irem para a Palestina, enquanto outros optaram mesmo por ir construir um estado judaico. Esses imigrantes depois da Nakba [Nota Igualize: o termo significa, em árabe, ‘catástrofe’ ou ‘desastre’ e designa o primeiro êxodo em massa de palestinos durante o conflito entre Israel e países árabes], em 1948, receberam casas dos palestinos que foram expulsos e aguardavam em campos de refugiados na Síria, Jordânia e Gaza para voltarem aos seus lares , o que não aconteceu até hoje. 

A ONU, criada depois da 2ª Guerra Mundial, tem entre seus objetivos originais a manutenção da paz entre as nações. Fica bastante difícil entender como 2 anos depois de sua formação fez o plano de partição da Palestina, no qual declarou que 56% da terra da Palestina seria o estado judaico, sendo que a população judaica na palestina era um terço da população local. Número que aumentou rapidamente. Em 1918, a população judaica na Palestina era de 50 mil e, em 1947, quando a ONU fez seu plano de partição, já chegava a 680 mil. 

Quais são os principais objetivos do movimento sionista no passado e hoje?

Haasz: Criar e sustentar um estado judaico, para isso, precisa ter controle populacional para a manutenção da maioria judaica. Este se dá por meio de sua estrutura colonial de povoamento (na Palestina) e de um sistema de apartheid (segregação de palestinos).

Quais as características do sionismo hoje?

Haasz: Hoje o sionismo é a ideologia que rege o estado de Israel se concretizando nas várias formas de controle da população palestina, como o genocídio (eliminação sistemática e deliberada de um grupo étnico, religioso ou nacional) em curso em Gaza; e o apartheid (segregação) evidente na Cisjordania e dentro das fronteiras (estabelecidas pela ONU) de 1948. Essa ideologia também se concretiza com os apoios financeiros de governos estrangeiros e a manutenção de relações comerciais e diplomáticas com Israel. Parte importante do sionismo, desde seu início, é a propaganda produzida sobre o que ele é, que encobre e apaga com mentiras o que historicamente tem sido feito para a sua manutenção. Por exemplo depois da Nakba, nome dado aos acontecimentos que levaram a fundação do Estado, criou-se a história de que os países árabes que atacam “a gente” e os palestinos fugiram sozinhos, dois mitos que já se provou serem mentira, mas que continuam sendo ensinados em escolas judaicas no mundo todo e em Israel. Nesse momento estamos vendo as mentiras que o governo israelense fabrica sobre o genocidio em curso, uma delas foi reproduzida pelo presidente americano Joe Biden que disse ter visto fotos de bebês decapitados pelo Hamas. Essa fotos nunca existiram porque isso não aconteceu. Não se tem vidência de que isso tenha ocorrido no ataque de 7 de outubro. 

O que é o movimento Vozes Judaicas por Libertação?

Haasz: Somos um grupo de judias e judeus que reivindica o fim de todas as formas de opressão que Estado de Israel impõe aos palestinos e afirmamos que o judaísmo pode existir separado do sionismo.

Quais os objetivos dele?

Haasz: Trabalhamos apoiando nossos parceiros palestinos em suas chamadas para alcançar a libertação do povo palestino e seu direito de retorno. Estamos envolvidos em iniciativa para pressionar o governo brasileiro para que, além de reconhecer que o que está acontecendo desde outubro de 2023 em Gaza é um genocídio, também pressione Israel para o cessar fogo por meio de rompimentos de acordos militares. Entendemos que a crítica ao Estado de Israel tem sido nomeada falsamente como antissemitismo para silenciá-la (https://igualize.com/o-que-e-antissemitismo/). Nós nos posicionamos como judias e judeus para diferenciar entre antissemitismo e antissionismo. Achamos importante falarmos sobre antissemitismo para que se compreenda o que é, e para que não seja replicado e fomentado. Entendemos que essa mistura que se faz entre as críticas ao Estado e o antissemitismo dificulta a luta contra ele. 

Como vocês atuam hoje?

Haasz: Nesse momento, nosso principal chamado é pelo cessar fogo em Gaza,  pelo fim do genocídio em curso. Atuamos na divulgação de nossas posições via Instagram, estivemos envolvidas na campanha pelo embargo militar à Israel, e agora estamos nos preparando para iniciar uma campanha contra a definição de antissemitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), que tem sido adotada por muitas instituições em muitos países, e tem sido usada para perseguir juridicamente defensores dos direitos dos palestinos e críticos ao Estado de Israel. 

Aqui no Brasil cidade de São Paulo e seis estados – Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Roraima, Rondônia e Belo Horizonte — já aderiram à definição de antissemitismo da IHRA. Ela é curta, mas perigosa. Dos onze exemplos de antissemitismo que apresentam, sete são relacionados com Israel. A vinculação automática entre Israel e judaísmo é subjacente à classificação adotada, tornando a existência de um Estado judeu a única possibilidade de autodeterminação judaica. Além de ocultar alternativas de vivência judaica para além do sionismo, faz da crítica a Israel uma crítica aos judeus. Trata-se de uma manipulação do antissemitismo. 

Como você iniciou os estudos sobre o conflito entre Israel e Palestina?

Haasz: Sou judia e israelense, vivo no Brasil desde os seis anos de idade, e morei em Jerusalém de 1999 até 2002. Nesses anos aconteceu a segunda intifada, levante popular palestino de resistência a opressão colonial de Israel, que me levou a começar a questionar seriamente o que estava acontecendo e toda educação judaica que recebi na escola e no movimento juvenil. Esse processo bastante doloroso de transformação da minha identidade me levou a estudar e entender a opressão vivida pelos palestinos e me envolver na luta pela sua libertação.  

Quais os principais desafios de ser judeu e também defender o Estado da Palestina?

Haasz: Este é um assunto bastante delicado, muitas de nós temos sofrido com afastamento de amigos e familiares por defendermos publicamente nossas opiniões. A defesa do estado de Israel dentro da comunidade judaica é muito forte, e é um tabu criticar suas políticas de opressão aos palestinos. É muito triste não conseguirmos sustentar diálogos sobre o que acontece lá a máquina de propaganda de Israel é poderosa e alimenta com muitas mentiras a justificativa das suas ações e da sua história.

Imagem: natanaelginting no Freepik

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