Uma empresa pode negar serviço a um casal gay?

Advogada explica se prática pode ser enquadrada como LGBTQIAP+fobia e como agir

Em abril de 2024, uma empresa paulista se negou a produzir um cartão de casamento para um casal homossexual alegando “princípios cristãos”. Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) Heloisa Helena Cidrin Gama Alves explica que a prática fere a Constituição Federal.

“Nenhuma empresa ou pessoa pode deixar de prestar um serviço ou discriminar por orientação sexual usando a religião como justificativa. Isso fere a nossa Constituição Federal e é passível de punição nas esferas civil e penal. A Constituição Federal prevê a liberdade religiosa, mas essa não está acima do princípio da não-discriminação, que também está previsto na mesma”, explica.

Além disso, a lei pode ser enquadrada como crime de racismo. A equiparação da LGBTfobia aos crimes de racismo e injúria racial no Brasil foi feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023. Confira a entrevista completa abaixo.

Igualize: Legalmente, um comerciante pode negar um serviço – seja hospedagem, feitura de convite, de bolo ou produção da festa de casamento – a um casal homossexual?

Heloisa Alves: Não há nenhuma previsão legal que permita a um comerciante, a uma empresa negar um serviço para um casal por ser homossexual. Isso fere a nossa Constituição Federal, que prevê a não discriminação e diz que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, como é o caso.

Em 2023 o Supremo Tribunal (STF) equiparou ofensas e discriminações a pessoas LGBTQIAP+ ao crime de racismo. Negar um serviço a um casal homossexual pode ser enquadrada em injúria racial e racismo?

Sim, a decisão do Supremo entende que LGBTfobia e homotransfobia antropologicamente se enquadram na categoria de racismo social. Assim, devem ser julgadas com base na lei do racismo (7.716/89).  Mas isso vai depender, obviamente, do julgamento do Poder Judiciário.

Como o casal discriminado deve agir?

Deve-se constituir um advogado ou advogada de sua confiança para seguir com os trâmites legais. No âmbito penal, pode-se realizar um boletim de ocorrência, que visa uma responsabilização criminal do ato praticado. Nessa situação, as autoridades policiais ouvem as vítimas e os comerciantes para aferir as provas. Pode haver uma denúncia junto ao Ministério Público (MP) para verificar a questão de crime de LGBTfobia, que pode arquivar ou oferecer denúncia do caso. Se o juiz competente abrir processo criminal, será provavelmente por LGBTfobia e será julgado com base na lei do racismo.

O advogado pode decidir com o casal se vai também entrar com ação de dano moral na esfera civil, já que houve uma prática abusiva vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. Pode-se também abrir uma denúncia por meio do Disque 100 e checar se o estado ou município tem alguma lei local sobre discriminação a pessoas LGBTQIAP+.

Algumas das pessoas prestadoras de serviços que negam atender casais homossexuais citam religião. Isso é equivocado?

Não é apenas equivocado, como é discriminatório, fere a nossa Constituição Federal e é passível de punição nas esferas civil e penal. A Constituição Federal prevê a liberdade religiosa, mas essa não está acima do princípio da não-discriminação, que também está previsto na mesma. Então, a Constituição é clara ao dizer que ela punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. Essa empresa, quando ela se baseia na religião para justificar a negativa da prestação de serviço, ela fere a nossa Constituição. Nenhuma empresa ou pessoa pode deixar de prestar um serviço ou discriminar por orientação sexual usando a religião como justificativa.

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