A falta de legislação trabalhista especifica é um desafio para profissionais do sexo no Brasil, como aponta a mestre educadora e ativista do Coletivo Puta Davida, Naara Maritza. Ela explica que, diante de um congresso conservador, o único projeto de lei sobre o tema (4.211/12) está parado na Câmara dos Deputados há mais de uma década.
“Como em qualquer profissão, a falta de uma legislação específica deixa trabalhadores vulneráveis a abusos, explorações e impedidos de reivindicar compensações em casos de exploração ou violência. Isso dificulta a denúncia e a punição de agressores”, destaca.
“A violência pode vir de clientes, agentes de segurança ou instituições. Além disso, mulheres, pessoas negras, trans, travestis e periféricas são as mais vulneráveis”, complementa Maritza.
Prostituição é crime?
Fundado como ONG Davida em 1992, pela militante pioneira Gabriela Leite (1951-2013), o Coletivo Puta da Vida utiliza de educação e cultura para conscientizar sobre os preconceitos e estigmas que cercam as pessoas trabalhadoras do sexo no país. Entre suas ações está a grife de roupas Daspu.
A trabalhadora do sexo, atriz pornô e ativista do Coletivo Puta Davida, Aimi Kokoro. explica que o Brasil adota o modelo abolicionista, em que a prostituição não é ilegal, mas tampouco legalizada.
“Não é crime cobrar por sexo, mas sim administrar um negócio, como donos de bordéis. Por isso, esses espaços estão na ilegalidade e contam com tolerância e suborno para funcionar. O resultado são situações informais de trabalho, eventual exploração, instalações precárias e outras vulnerabilidades”, lista Kokoro.
Também pode ser criminalizada qualquer pessoa que receba, de alguma forma, dinheiro originado da prostituição.
“Isso pode incluir o companheiro, filhos e amigos da prostituta. Profissionais do sexo que dividem um apartamento podem ser acusados de cafetinagem entre si”, lembra Maritza.
Conquistas recentes
Neste complexo cenário, uma conquista do movimento de prostitutas foi a revogação dos artigos do Código Penal que criminalizavam, até 2017, a movimentação de pessoas dentro do Brasil ou para o exterior como tráfico humano para fins de exploração sexual.
“Uma ideia de que todas as pessoas que exercem a prostituição são vítimas, como se não pudesse existir escolha pelo trabalho sexual e consentimento”, assinala a travesti, prostituta, agente de cultura e integrante do coletivo, Solemni Solange.
A segunda vitória foi a inclusão da prostituição como uma ocupação na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho.
“Isso permitiu se declarar profissional do sexo autônomo à Previdência Social, contribuir com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ter direito à aposentadoria”, aponta Maritza.
“Para ter a carteira assinada, porém, a profissional necessitaria de vínculo empregatício com algum estabelecimento, o que é criminalizado. Então, não vejo como isso pode funcionar”, opina Aimi Kokoro.
“Contra o problema, uma opção é trabalhar junto a hotéis, que não são tecnicamente bordéis. Neste caso, o cliente paga separadamente pelo quarto ao estabelecimento e o valor do programa a quem contratou”, descreve Solange.
Sobre a aposentadoria, a pessoa não binária integrante do Coletivo Puta Vida, Indianarae Siqueira, vê hoje mais opções de trabalho para profissionais do sexo com mais de 40 anos.
“Muitas entram na profissão pensando ser algo temporário, mas permanecem décadas. Assim, enquanto não houver regulamentação, queremos ao menos pagar o INSS para ter direitos respeitados”, explica.
“Além disso, a pessoa profissional do sexo está mais sujeita a infecções, o que pode ser considerado uma profissão de risco, algo que deveria ser incorporado ao debate sobre o tempo de contribuição para uma aposentadoria dentro da prostituição”, afirma.
Se o envelhecimento não é visto como um problema, a pressão por um padrão estético eurocêntrico o é, conforme explica Siqueira.
“As prostitutas mais distantes desse modelo, como negras, indígenas, gordas etc., são as mais atravessadas por escassez de trabalho, salários baixos, hostilidade, menos acesso a direitos, entre outros”, denuncia.
Prostituição no mundo
Discussões sobre a descriminalização e regulamentação de trabalhadores do sexo não ocorrem apenas no Brasil. Segundo o ativista e fundador do jornal Beijo da Rua, Flavio Lenz, países como Áustria, Alemanha, Grécia, Holanda, Suíça, Turquia adotam leis que permitem formas de prostituição sob condições controladas. Já Nova Zelândia, Austrália e Bélgica descriminalizaram o trabalho sexual.
“A prostituição é reconhecida como trabalho, o que permite o emprego formal ou autônomo, a negociação de boas condições para o exercício da profissão e o acesso a benefícios sociais e à Justiça”, contextualiza.
“Entre os regulamentos, pode haver registro obrigatório como trabalhador sexual, licenças específicas para bordéis e profissionais, testes regulares de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), restrições de propaganda sobre o tema etc.”, apresenta Solange.
Outros países criminalizam os clientes junto aos estabelecimentos. “É o chamado ‘modelo sueco’ ou ‘nórdico’, adotado por França, Irlanda, Canadá, entre outros”, lembra Lenz.
“A criminalização dos clientes gera mais vulnerabilidades frente à exploração e à violência, aumenta o estigma e da discriminação contra as profissionais do sexo”, opina Lenz.
Por fim, há o sistema proibicionista, que condena todos os elementos envolvidos: prostituta, cliente e administradores de negócios. “Ele está nos Estados Unidos, na China, em Malta, na Eslovênia e em outros países do Leste Europeu. Não elimina a prostituição, mas favorece a sua clandestinidade”, finaliza Lenz.
(Foto Principal: Daspu/Divulgação/2022)