Palhaços Sem Fronteiras trazem conforto psicológico para zonas de conflito

Riso ajuda comunidades a ressignificar tragédias e a fortalecer laços

Uma área de guerra, de desastre ambiental ou vulnerabilidade social tem muitas prioridades, e o brincar e o riso geralmente não duas delas. Porém, ambos são importantes para conforto psicológico e para garantir os direitos humanos das crianças afetadas. Motivo pelo qual, em 1993, foi criada a organização internacional Palhaços Sem Fronteiras (Clowns Without Borders), em Barcelona, na Espanha.

“Ela surge de uma demanda de crianças em um campo de refugiados na Iugoslávia que se comunicavam por carta com crianças espanholas e pediam coisas que iam além de comida e suprimentos ofertados pela ajuda humanitária”, relembra Aline Moreno, fundadora e diretora-executiva dos Palhaços Sem Fronteiras Brasil.

O que iniciou com uma kombi com palhaços visitando o campo de refugiados naquela região se tornou, 30 anos depois, uma organização internacional presente em 13 países, incluindo África do Sul, Alemanha, Bélgica, Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Índia, França, Reino Unido, Suécia e Suíça. Todas as afiliadas são não-governamentais, sem fins lucrativos, viés religioso ou político-partidário.

“O que acontece com as crianças depois de uma guerra? É pensando nisso que o projeto atua para melhorar o emocional delas em situação de crise humanitária. Tentamos conduzir a criança para fora da situação traumática por meio da arte circense”, resume a artista.

Descongelando emoções

Segundo Aline, o primeiro benefício da palhaçaria em regiões de conflito e violência é o suporte psicológico não apenas para crianças, mas para adultos também.

“Quando uma pessoa passa pela situação traumática, nem sempre a maneira ocidental de falar sobre o problema é uma vontade. Nesse caso, a arte e se reunir para rir, ajudam as vítimas a entrarem em contato com emoções que estavam cristalizadas”, descreve.

“Assim, a palhaçaria não é uma terapia, mas é terapêutico no sentido de ajudar a ressignificar traumas”, diferencia.

Aline explica ainda que, por meio das crianças, é possível atingir os adultos. “Quando o pai ou a mãe vê os filhos rindo, ele ou ela se permite a rir também. Apesar do trauma, a criança é mais permeável ao riso e ajuda a levar alegria para esse entorno”, afirma.

Coletivo fortalecido

Aline explica que é comum a comunidade deixar de visitar os lugares marcados por tragédias, como o epicentro de um terremoto ou o local onde ocorreu uma chacina, por exemplo.

“Pois nós nos apresentamos bem ali para dar um novo significado para aquele espaço público”, explica.

Para completar, outro benefício da palhaçaria em zonas de conflito é o fortalecimento da comunidade. “Nesses espaços, as pessoas geralmente se encontram para desabafar sobre os problemas. Propomos que se reúnam para rirem juntas e se acolherem, uma vez que um coletivo fortalecido consegue lidar melhor com uma situação de opressão do que indivíduos separados e fragilizados”, enfatiza.

Will Oliveira/Divulgação

Atuação no Brasil tem particularidades

No Brasil, a organização chegou em 2016 e ainda hoje é o único país da América Latina a fazer parte da entidade internacional.

Aqui, o foco das atividades são pessoas em situação de migração e refúgio, assim como situações de emergências em zonas de alta vulnerabilidade social e econômica.

Além das apresentações, o Palhaços sem Fronteira também visa formar artistas da região atingida pelo problema, assim como psicólogos, educadores e outros profissionais.

Entre 2016 e 2019, a entidade atual com comunidades ribeirinhas do Rio Doce atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), e Espírito Santo. A iniciativa ganhou três edições nos anos de 2016, 2017 e 2019.

“Na fronteira com a Venezuela, por exemplo, o trabalho focou em tratar a relação de hospitalidade e acolhimento de quem busca refúgio, prevenindo a xenofobia”, compartilha a palhaça profissional.

Outro projeto, chamado “Jornada dos Em-baixa-dores” realizou em 2022 ações com artistas locais das regiões do Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraíba e Tocantins. No Mato Grosso do Sul, as atividades abrangeram crianças indígenas das comunidades Guarani e Kaiowá da região de Dourados.

Em estados como São Paulo e Pernambuco, o projeto atuou em locais que sofrem com a violência urbana.

Escuta lúdica

Além de usar protocolos de segurança, a equipe de palhaços brasileiros passa por diversas formações, incluindo direitos humanos, reflexões étnico-raciais, pessoas com deficiência (PCD), escuta lúdica, entre outros.

“São necessários cuidados específicos para lidar com diversidade cultural e com pessoas em diferentes situações de vulnerabilidade. É necessário e sensibilidade para entender o contexto e responsabilidade sobre o que se fala”, finaliza.

Imagem destaque: Mariana Rocha/Divulgação/Palhaços Sem Fronteiras

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