O que é ser antirracista?

Saiba como combater racismo internalizado e mudar realidade de maioria branca em espaços de poder

“Ser antirracista não tem a ver apenas com desconstruir o racismo internalizado, mas também com se comprometer a romper a hegemonia branca nos espaços de poder”, resume a educadora para a diversidade e autora do projeto Mulheres Inspiradoras, Gina Viera Ponte.

 “Ou seja, é ter a coragem de questionar os espaços onde só há pessoas brancas e reivindicar a presença de pessoas negras, indígenas e asiáticas”, acrescenta.

A seguir, a educadora explica 8 pontos fundamentais que ajudam a entender o que é ser antirracista e como ter atitudes antirracistas no cotidiano.

1) Primeiro de tudo: o que é racismo?

Antes de entender o que é ser antirracista, é preciso compreender o que é o racismo. “Racismo é um sistema de opressão que opera para garantir que brancos tenham privilégios e que reduz a humanidade de pessoas negras”, sintetiza a educadora.

2) Como surgiu o racismo?

Ponte explica que o processo de colonização e de escravização deixou como herança a associação das pessoas negras a aspectos negativos.

Os países colonizadores partiam do pressuposto de que os povos brancos europeus eram superiores. Assim, passaram a associar tudo o que era relacionado às pessoas negras a elementos negativos.

‘Por meio da igreja, afirmavam que os negros não tinham alma, eram inferiores, primitivos, desprovidos de intelectualidade, da capacidade de pensar, entre outros”, lembra Ponte.

Essa desvalorização da cultura negra e, automaticamente, supervalorização do que é ser branco, não acabou com a colonização, persistindo durante séculos na cultura e na sociedade em geral.

Ela se tornou a base do racismo estrutural, ou seja, do racismo presente em instituições, políticas e demais áreas da sociedade que resulta em desigualdade entre brancos e não-brancos.

3) Como o racismo se manifesta na sociedade?

O racismo estrutural faz com que diferentes aspectos da cultura negra sejam desvalorizados, como vestimenta, cabelo, religiosidade, beleza, tecnologia, entre outros

Por ser um sistema de opressão, também se manifesta em questões complexas, como diferenças de salários entre pessoas brancas e negras ou indígenas; concentração de pessoas negras em áreas de vulnerabilidade social ou ambiental; maioria das pessoas encarceradas sendo de origem negra, entre outros.

4)Todos vivemos em uma cultura que nos forma para sermos racistas

Ponte explica que o racismo estrutural e a constante desvalorização de aspectos da cultura negra são assimilados, em maior ou menor grau, desde que nascemos.

“Ou seja, há modos simbólicos que operam para que todos façamos a associação de pessoas negras ao que é negativo, para sejamos racistas”, ensina.

“Afinal, quando chegamos ao mundo, já há um sistema simbólico formulado do qual vamos nos apropriar de forma consciente ou inconsciente, que influencia a nossa noção do que é feio e bonito, certo e errado etc. Não são escolhas nossas, individuais, apenas”, diferencia.

“Assim, ser ou não racista não é apenas uma questão moral de ser bom ou mau, mas tem a ver com ser parte desta cultura que nos formou para isso”, conclui.

A especialista explica, porém, que embora todos sejamos formados em uma cultura para sermos racistas, pessoas negras não tem como o serem. “Dentro de um contexto de dominação de poder exercido por pessoas brancas, pessoas negras não têm poder sobre brancos ou sobre outros negros. O que elas podem fazer é reproduzir o racismo”, diferencia.

5) O que significa não ser racista?

Partindo da premissa que o racismo é estrutural e todos nós o temos introjetados, declarar-se “não racista” exige fazer um exercício permanente de identificar onde o racismo habita em nós, como explica Ponte.

 “É confrontar o racismo que habita o inconsciente e estar disposto a se desconstruir, a admitir quando deixar escapar o racismo que se tenta recalcar ou disfarçar”, completa. 

6) Depois de tudo isso, o que é ser antirracista?

“Ser antirracista tem a ver com não apenas desconstruir a si, mas se comprometer a romper a hegemonia branca nos espaços de poder. É ter a coragem de questionar os espaços onde só há pessoas brancas e reivindicar a presença de pessoas negras, indígenas, asiáticas”, explica a educadora.

Um dos exemplos de ser antirracista é no exercício do voto. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (2022), a Câmara dos Deputados possui apenas 135 deputados negros contra 369 brancos, mesmo as pessoas negras e pardas sendo maioria da população.

“Ser antirracista também envolve questões simples do cotidiano, como: se posicionar quando uma pessoa negra for vítima de racismo; reivindicar que na escola ou na empresa seja promovida uma educação para as relações étnico-raciais; saber que não é papel de pessoas negras ensinarem as pessoas brancas sobre racismo e buscar informações sobre isso”, lista.

7) Qual a importância de ser antirracista?

“Quando rompemos com a hegemonia branca nas estruturas de poder, promovemos um mundo com maior diversidade e trazemos uma história além daquela contada pela perspectiva da pessoa branca”, diz a educadora.

Além disso, Ponte explica que presença de pessoas negras no executivo, no legislativo e no judiciário é fundamental para que diferentes políticas públicas considerem questões raciais, promovendo segurança e igualdade.

8) Como combater o racismo internalizado?

Ponte explica que ser antirracista também implica em combater o racismo internalizado. Ela aponta algumas orientações para isso.

Desconstruir a ideia de que só é racista quem é “mau”

“É óbvio que uma pessoa racista por escolha é má, mas não se trata apenas disso, mas de admitir que o racismo estrutural nos constituiu. Ou seja, ele é uma estrutura enraizada que permeia nossa sociedade, influenciando nosso modo de pensar, mesmo que inconscientemente”, pontua a educadora.

Admitir que somos racistas

  Ponte explica que a maioria das pessoas brancas se recusa a admitir que o racismo as constituiu, e que podem ter reações extremas quando questionadas em relação ao seu racismo.

Reconhecer que a cor de pele clara concedeu privilégios.

“É comum que pessoas brancas digam: ‘eu não tive privilégio, nasci na pobreza, batalhei para chegar onde cheguei”, descreve a especialista. “Porém, quando uma pessoa branca nega que a sua cor lhe tenha dado vantagens, no fim das contas, ela está dizendo que o racismo não existe e que negros que não obtiveram êxito na vida foi porque não batalharam tanto quanto ela. Quando sabemos que há pessoas negras altamente qualificadas e que não obtiveram êxitos dadas as barreiras que a cor da pele cria”, ensina.

A desconstrução do racismo será a vida toda.

“Outro grande desafio é compreender que não existe este ponto no qual uma pessoa possa dizer: ‘olha, eu me desconstruí completamente, tirei o racismo de mim”, relata.

“O processo de desconstrução é contínuo, é permanente porque os sistemas de opressão se modificam para continuar operando. Assim, o racismo passa a se manifestar de outras formas, mais ou menos sutis. É necessário atenção para não o reproduzir”, alerta.

Mesmo que você não saiba, pode carregar sentimentos de superioridade por ser branco

“Toda pessoa branca foi formada pela cultura para carregar dentro de si um senso de superioridade.  Vivemos em um mundo em que quem manda são os brancos, apesar de a maioria da população ser negra e parda”, reforça a educadora.

Avalia a sua empatia

O fato de pessoas brancas terem sido moldadas pela crença de que pertencem a um grupo étnico superior pode acarretar dificuldades de serem empáticas com pessoas negras. Principalmente em compreender que a construção da identidade da pessoa negra foi marcada por violências.

“Por exemplo:  para uma pessoa branca, ser parada pela segurança ao entrar em uma loja pode ser uma situação chata. Para a pessoa negra, isso acionará gatilhos relacionados a situações anteriores semelhantes que ela viveu. A pessoa negra vive permanentemente em alerta porque pode ser surpreendida por um ataque racista a qualquer momento”, detalha Ponte.

Ninguém está livre de ser racista

“Vejo as pessoas baterem no peito e dizerem: ‘não há como eu ser racista, eu sou de esquerda, sou progressista, eu li todos os livros da Ângela Davis, eu sou especialista em direitos humanos’, entre outras justificativas”, descreve Ponte. “Nada é salvo conduto para exercer práticas racistas”, finaliza.

Imagem: Freepik

Atualizado em 10/11/2023

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