O termo “queerbaiting” diz respeito a uma prática vista em filmes, séries, livros e demais produtos do entretenimento na qual um relacionamento entre personagens do mesmo sexo é insinuado para atrair o público LGBTQIAPN+, mas sem que isso se concretize ou que a não-heterossexualidade dos personagens seja confirmada pelos diretores e roteiristas.
“O próprio termo em inglês explica a prática ao juntar as palavras ‘queer’ (que se refere a identidades LGBTQIAPN+) e ‘baiting’(isca)”, pontua Isabel Wittmann, doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP) e crítica de cinema.
“É uma estratégia de roteiro que faz com que o público entenda, por meio de insinuações, códigos e subtextos, que alguns personagens não vivem dentro de normas e padrões de gênero e sexualidade, mas sem que a narrativa ou os criadores desse conteúdo audiovisual precisem se comprometer” avalia. “Isso cria uma expectativa no público em relação a esses personagens, muitas vezes baseada na identificação com eles”, completa.
Sinais de queerbaiting
É fácil perceber uma obra que inclui o ‘queerbaiting’ na elaboração de seus personagens, pois eles geralmente fogem das normas heterossexuais. Wittmann explica que a estratégia é utilizar signos que o público está acostumado a interpretar como não sendo heterossexuais, mas sem a confirmação explícita.
Entre os códigos mais comuns usados no queerbating está a proximidade de dois personagens do mesmo sexo, com química e tensão sexual, mas sem que essa relação evolua para um relacionamento amoroso. Os personagens são colocados em situações íntimas, românticas e de “quase beijo”.
“Ou seja, o público ‘shipa’ os personagens, termo derivado da palavra ‘relacionamento’ em inglês (relationship) e que revela a torcida dos espectadores para que ambos fiquem juntos no final”, traduz a pesquisadora.
Outro código bastante utilizado é quando o personagem tem sua sexualidade retratada propositalmente de forma ambígua. Pode haver o uso de estereótipos e caricaturas para sinalizar que ele não é, necessariamente, um “heterossexual típico”. Porém, tão pouco sua identidade LGBTQIAPN+ é desenvolvida de forma clara.
Por que o queerbating ocorre?
Segundo Wittmann, a motivação para a realização de obras que contêm queerbaiting é financeira.
“A indústria não quer se comprometer com uma narrativa queer que possa prejudicar o desempenho comercial da obra, seja patrocínio ou bilheteria, considerando que parte do público é conservador pode não querer consumir esse tipo de material”, reflete a antropóloga.
“Essa forma de trabalhar com ambiguidade permite que a proposta seja realizada, gere engajamento e interesse, mas não seja alvo de críticas por parte de setores conservadores ou investidores”, acrescenta.
Quais as consequências do queerbaiting?
“Primeiro, os criadores e responsáveis pelo produto lavam as mãos em relação a uma representatividade LGBTQIAPN+ real no audiovisual. Já o público pode se sentir enganado, criando expectativas com personagens que nunca se concretizam”, avalia a antropóloga.
Segundo ela, a recepção do público – principalmente a comunidade LGBTQIAPN+ – pode ser ambígua.
“Por um lado, a presença de personagens queer e seu protagonismo positivo são bem-vindos, dado que personagens LGBTQIAPN+ foram retratados de forma negativa ao longo da história do cinema”, pondera.
“No entanto, a falta de definição dos personagens como queer leva à reivindicação para que eles sejam escritos com mais profundidade e de forma clara, dando a impressão que a comunidade LGBTQIAPN+ precisa constantemente reivindicar representatividade frente à falta de comprometimento da indústria audiovisual. Em outras palavras, pede-se que esses personagens se estabeleçam como queer, se eles realmente o forem”, finaliza Wittmann.