O que é cisgênero?

Entenda o que significa essa identidade de gênero e sua importância na diversidade

Cisgêneros (cis) são pessoas que se reconhecem na identidade de gênero que lhes foi atribuída de acordo com o órgão sexual que nasceram. “Por exemplo, eu nasci com vulva, fui identificada como mulher pela sociedade, identifiquei-me internamente com isso e sigo me expressando desse modo”, resume Débora Vasconcelos, doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

O termo é um contraponto a ser transgênero. “É trans quem não se reconhece na identidade que lhe foi atribuída pela sociedade a partir da genitália com a qual nasceu (pênis = homem; vulva = mulher). Por conta disso, essas pessoas transacionam para outra expressão de gênero”, ensina.

Homem cisgênero, mulher cisgênero

Mas o que significa dizer que um gênero é designado no nascimento?

O primeiro passo é entender que gênero se refere aos papéis, comportamentos, atividades e expectativas socialmente construídos e associados ao que é ser homem ou mulher.

Apesar do gênero se apoiar em um fator biológico – a genitália com a qual a criança nasce – ele nada tem de natural.

“Essa ideia de que nascemos com uma genitália específica e vamos seguir determinado comportamento não existe. Seguimos expectativas do que é ser homem ou mulher de acordo com a cultura que estamos inseridos”, descreve.

Um exemplo de que tais regras não são “naturais” é que elas mudam conforme a cultura.

“O que é ‘ser mulher’ no nordeste do Brasil não é o mesmo em uma tribo indígena do Pará ou na Índia”, exemplifica a socióloga.

Para facilitar, um exemplo clássico de marcadores culturais que atribuímos ao sexo biológico são as cores rosa e azul, associadas respectivamente a quem nasce com vagina e pênis respectivamente.

“O que a cor tem a ver com genitália? Nada. Mas a sociedade faz uma associação cognitiva a esse sexo biológico. Além das cores, dependendo da genitália que a criança nascer, vou escolher um determinado nome, roupas e brincadeiras, todas baseadas nessas normas e expectativas sociais”, ensina.  

Todo o gênero é ‘performado’ pela escolha de vestimentas, acessórios, modo de se comportar e falar, e isso atinge a todos – pessoas trans e cis.

“Não é porque a pessoa trans reivindicou outra identidade que ela é menos natural. Pessoas trans e cisgêneros estão igualmente inseridas em uma cultura com normas e expectativas relacionadas ao que é ser do gênero masculino ou feminino, que ditam como iremos nos comportar. Assim, não existe essa coisa de ‘agir naturalmente’ como homem ou como mulher. Tudo é socialmente construído”, enfatiza a pesquisadora.

Cisgênero não é superior

Vasconcelos conta que conceito de cisgeneridade foi cunhado na década de 1990, quando a bióloga Dana Leland Fowles utilizou a terminologia para diferenciar pessoas que não eram trans. Para Vasconcelos, a chegada desse novo termo ajudou a retirar a identidade trans da categoria de “anormal”.

“O conceito de transgeneridade se inicia na medicina enquanto um diagnóstico, sendo considerado uma doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS) até 2018. Como contraponto, pessoas que não-trans eram tidas como ‘normais’”, relata.

“A chegada do conceito cisgênero contribuiu para mostrar que existem várias formas de estar no mundo, retirando o ser trans de uma condição de desvio. Ambos são experiências humanas e formas de vivenciar o corpo e o gênero, sem haver melhor ou pior. Isso retira o estigma de que a experiência trans é anormal ou desrespeitosa”, ressalta.

Ainda que sejam experiências iguais, o problema é que socialmente ainda são tratadas como diferentes. “Nossa sociedade se estrutura de forma que as experiências cisgêneras estejam em um local de privilégio em detrimento das experiências transgêneras, sendo ainda necessário combatermos injustiças”, completa.

Vasconcelos explica que, como a sociedade ainda entende que cisgênero é normal ou a regra, essa identidade é pouco reivindicada ou falada. Na prática, quem é cis geralmente não sabe que tem essa identidade de gênero.

“O conceito é recente e não está no vocabulário e no cotidiano das pessoas. Aí as pessoas simplesmente dizem: ‘eu sou mulher’, ‘eu sou homem’”.

Trans e cis podem ter qualquer orientação sexual

Muita gente ainda se surpreende quando vê uma mulher trans se relacionando com outras mulheres, ou seja, pelo fato dela ser uma mulher trans que é lésbica. O mesmo vale para um homem trans que é gay. Isso acontece porque identidade de gênero e orientação sexual são coisas diferentes.

Enquanto a primeira é como me reconheço internamente para depois performar esse gênero por meio de vestimentas e comportamentos, a orientação sexual se refere ao gênero pelo qual eu me sinto atraído afetivamente. Para facilitar, basta pensar assim: se a identidade de gênero é uma flecha apontando para dentro, a orientação sexual está apontando para fora.  

“Pessoas cis ou trans podem ter qualquer orientação sexual: heterossexual (atração  pelo gênero oposto ao seu), homossexual (pelo mesmo gênero), bissexual e pansexual (por todos os gêneros), entre outras”, descreve a pesquisadora.

Imagem: Master1305/Freepik.

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