Medo de violência ao usar banheiro é realidade entre pessoas trans

Projetos de lei que tentam proibir uso do banheiro por identificação de gênero avançam no Brasil

‘Segurar o xixi’ é uma realidade na vida de pessoas trans não binárias e travestis na hora de usar banheiros públicos. Entre os motivos estão o medo da violência, do constrangimento e a falta de estrutura.  

“Eu prefiro ficar em casa se tenho que ir a um espaço público onde sei que terei problemas para usar o banheiro”, compartilha a artista não-binária Ressoa, 34 anos.

“Como a segurança é inexistente, temos que escolher momentos oportunos, como esperar ninguém estar olhando, um amigo ou amiga nos acompanhar etc. Quantas vezes já não fiquei dentro da cabine esperando quem entrou depois de mim sair para eu poder deixar o espaço de forma mais confortável”, relata.

O medo acontece, principalmente, nos banheiros masculinos, como explica a cantora  travesti Dandá Costa, 33 anos.

“Quando se fala em banheiro, dizem que a binaridade é a divisão entre homem e mulher quando, na prática, é homem cisgênero um lado e todo o mundo do outro. Basicamente, mulheres cisgênero e trans, travestis, transmasculinos e crianças se sentem mais seguros no banheiro feminino. Quem nos assedia, constrange, violenta, ameaça é geralmente o homem cis”, aponta.

Mesma opinião de Igor Sudano, 31 anos, pessoa cantora, body piercing e criadora de conteúdo.

“A segurança não se restringe a pessoas trans. Conheço mães que não deixam seus filhos irem sozinhos no banheiro masculino por conta de assedio, preferindo levá-los com elas no banheiro feminino”, conta.

Constrangimento e falta de estrutura

“Como sou lido socialmente como um homem, tentava ir em banheiros masculinos para não ser constrangido, mas não tenho o que fazer quando só há mictórios. Então, comecei a não ligar para isso e ir no feminino”, relata.

“Basicamente, mulheres cisgênero e trans, travestis, transmasculinos e crianças se sentem mais seguros no banheiro feminino”, diz Dandá Costa (Crédito: Acervo pessoal).

Constrangimento é outro fator que dificulta o uso do banheiro por pessoas trans e travestis. “Olhares de pessoas questionando minha presença nesses ambientes são comuns”, afirma Dandá Costa.

“Certa vez, entrando no banheiro feminino, uma mulher que estava na cabine e ouviu minha voz gritou: ‘esse banheiro é de mulher’. Eu me senti constrangida, mas respondi que era travesti e aquele era meu lugar”, compartilha ela, que relata maior receio em banheiros de shoppings ou de espaços frequentados majoritariamente por pessoas cisgêneros.

“Costumo me sentir mais tranquila em ambientes culturais, exceto quando de elite. Isso também expõe questões de classe e raça: nunca fui constrangida no banheiro feminino de um boteco, por exemplo”, compara.

Um terceiro fator que faz a ida ao banheiro causar angústia em pessoas transmasculinas ou não binárias com vagina é a falta de estrutura dos banheiros masculinos, geralmente sem vaso e apenas como mictório.

“Uma vez, em um Rock in Rio, os seguranças tentaram me impedir de entrar no banheiro. Nesses casos, eu aviso que tenho vagina e que ninguém vai me impedir de entrar. Eles ficam assustados e me deixam passar, mas nem todo mundo tem essa coragem, porque é uma agressão ter que explicar e falar da sua genitália para um desconhecido apenas para conseguir usar um banheiro”, enfatiza Sudano.

“Banheiro trans” e pânico moral

Apesar das dificuldades de pessoas trans usarem banheiros de acordo com sua identidade de gênero, a pauta de banheiros sem gênero ainda é um tabu.

“Segurança em banheiros públicos é inexistente”, compartilha Igor Sudano (Imagem: Acervo Pessoal/Divulgação).

“Trabalhei dois anos em um espaço cultural sem que o tema da necessidade de um banheiro para todas as pessoas fosse levantado”, ilustra Ressoa.

Além disso, a pauta do “banheiro trans’ é usada por políticos e partidos para legitimar transfobia e conseguir votos de setores conservadores.

Levantamento de 2022 da Agência Diadorim revelou 17 projetos de lei para proibir banheiros sem gênero em tramitação em 11 estados, todos de partidos de direita e extrema direita.

Em fevereiro de 2024, senadores da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal votaram para crianças e adolescentes trans não terem o direito de utilizar banheiros que correspondessem ao seu gênero de identificação nas escolas, em projeto ainda em tramitação. Lei simular foi aprovada no município de Novo Gama (GO).

Além disso, em junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou um recurso de uma mulher trans impedida de usar o banheiro feminino em um shopping em Santa Catarina.

“A frase que a gente mais escuta é: ‘agora o homem vai se vestir de mulher pra assediar alguém no banheiro’. Isso é um absurdo, porque não há caso de mulheres trans assediando alguém em um banheiro. Já de homem cis, é o que a gente mais vê”, lembra Sudano.

Desconhecimento sobre não-binários

Ressoa vê o desconhecimento sobre pessoas não binárias como fator de preconceito no assunto do banheiro trans.

“Temos que esperar momentos oportunos para ir ao banheiro”, relata Ressoa. (Foto: Ana Paula Gomes/Divulgação).

“A sociedade impõe que, para eu usar o banheiro masculino, eu preciso minimamente parecer um homem. Da mesma forma, para usar o feminino, devo parecer uma mulher. Essa mesma sociedade tem a alternativa de educar, mas opta pela segregação e violência, por retirar nossa dignidade e humanidade”, opina Ressoa.

“Com educação, não precisaríamos estar recorrendo a validações, leis e decretos para conseguir fazer algo básico para todo ser humano, que é usar um banheiro. Isso é muito triste”, lamenta.

Mas o que pessoas cisgêneros deveriam, ao final, saber sobre o uso do banheiro por pessoas trans?

“Que a gente só quer usar banheiro, como qualquer pessoa, sem se preocupar em segurar o xixi ou ser expulso, constrangido e assediado”, finaliza Sudano.

Foto capa: Nuraghies/Freepik