O colorismo é um fenômeno social baseado na discriminação ou preferência de indivíduos com base em seu tom de pele dentre uma comunidade racial ou étnica. O tom de pele é usado como critério para determinar o valor e o tratamento desse sujeito, fazendo com que pessoas de tons mais claros sejam favorecidas em detrimento das de tons mais escuros.
O colorismo se manifesta de várias maneiras na sociedade. Na indústria do entretenimento, por exemplo, modelos e artistas com tons de pele mais claros tendem a receber mais oportunidades e destaque do que aqueles com tons mais escuros. Na publicidade, a representação de pessoas de pele mais clara é favorecida, reforçando ideais de beleza eurocêntricos.
Assim, o colorismo prejudica pessoas negras ao perpetuar padrões de beleza inatingíveis que marginalizam aqueles com tons de pele mais escuros, contribuindo para problemas de autoestima e identidade cultural.
A seguir, pedimos para a Doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em políticas públicas de gênero e raça, Kelly Quirino, responder algumas perguntas sobre colorismo.
Igualize: O que é o colorismo?
Kelly Quirino: O colorismo é uma manifestação do racismo que diferencia as pessoas pelo tom da pele e gera preconceitos. Quanto mais clara é a cor da pele, menos preconceito a pessoa vai viver. Em contrapartida, quanto mais escuro for o tom de pele, mais preconceito a pessoa vai viver e mais sua experiência de vida será marcada de forma negativa. Então, o tom da pele é um marcador.
Qual a relação do colorismo com o racismo?
Quirino: O racismo é um sistema que hierarquiza as pessoas tendo o branco europeu como referência e padrão dominante, e o resto é considerado inferior. Assim, é importante destacar que o maior problema é o racismo. Sem racismo, não haveria colorismo.
O colorismo sofre influências regionais?
Quirino: No Brasil, o processo de colorismo é complexo devido às diferenças regionais. Uma pessoa negra de pele parda em estados como Bahia, Pernambuco e Maranhão pode ser considerada branca. Em contrapartida, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, que possuem marcadores raciais de ascendência europeia fortes, elas são consideradas pretas.
Qual o impacto do colorismo na população retinta?
Quirino: Se quanto mais escuro você for, “pior”, haverá consequentemente baixa autoestima, ansiedade, sentimento de que você é menor, inferior, incapaz, feio, menos inteligente, entre outros. Esse processo que inicia na primeira infância, por conta dos sistemas simbólicos que mostram que o padrão é ser branco. Então, para uma criança negra, é ruim ser preto.
Qual o impacto do colorismo para a pessoa parda?
Quirino: Ela não sofre os efeitos do racismo tão fortes como a pessoa preta retinta, em contrapartida, é colocada em um ‘não-lugar’, de não ser branca ou negra. Isso pode levar a uma negação da identidade negra, de querer alisar o cabelo, operar o nariz etc. Porque é mais fácil negar ser negro retinto do que branco. De todo o modo, não é confortável ser pardo em uma sociedade racista. Historicamente, o pardo foi colocado durante muito tempo em um lugar de não ser negro, de “café com leite”, “marrom bombom”. Foi o movimento negro, principalmente nos anos 60 e 70, que trouxe para o pardo essa conscientização de que ele é negro também. Que ele é fruto de uma relação inter-racial, muitas vezes por meio da violência do homem branco pela mulher negra. Assim, a leitura de intelectuais como Abdias do Nascimento, Lélia González, Sueli Caleiro e Maria Beatriz Nascimento, foi e é importante para conscientizar a pessoa de pele parda de que ela também é negra, ajudando a positivar essa identidade.
Quais foram os impactos do colorismo na história do Brasil?
Quirino: No Brasil, há o mito que, devido à miscigenação, não somos racistas, que todos somos iguais, quando, na prática, sempre houve a diferenciação de pessoas. O preto retinto passou por um processo de racismo ambiental (https://igualize.com/o-que-e-racismo-ambiental/), sendo colocado em favelas, periferias, lugares sem políticas públicas. Também sofreu mais com o racismo institucional. A polícia é o braço do estado que bateu, criminalizou, encarcerou e matou sistematicamente pessoas negras retintas, e pardas também, evidentemente. Ainda sobre colorismo, o Estado brasileiro exportou internacionalmente a mulher negra de cor mais clara, a “mulata” como símbolo da identidade nacional, incentivando o turismo sexual.
Quais os problemas atuais do colorismo no Brasil?
Quirino: Há a necessidade de termos bancas de heteroidentificação (comissões responsáveis por verificar a autodeclaração de candidatos a políticas afirmativas, como cotas raciais em concursos e vestibulares) que sejam mais plurais.
Às vezes uma pessoa parda de fenótipo negro, como cabelo crespo, nariz mais largo, lábio carnudo, é reprovada, não é considerada negra. Então, é necessário entender que a pessoa parda também sofre violência, seu não-lugar, e respeitar a sua identidade quanto pessoa negra, considerando as características regionais. Quando ela é reprovada, é mais um processo de violência institucional que estará vivenciando.
Como combater o colorismo?
Quirino: Há medidas tomadas recentemente, como a equiparação da injúria racial ao racismo. Antes, era possível xingar e isso não ser considerado racismo. Hoje, quem o faz é preso. As pessoas negras de todos os tons de pele passam a ter mais consciência do racismo. Com isso, vivemos um momento inédito de que a branquitude passa a ser confrontada.
A gente precisa falar sobre racismo em todas as instituições e oferecer letramento racial, porque muitas pessoas negras ainda não têm consciência de que o são, especialmente às pardas. É necessário letramento racial em todas as idades e instituições, da escola ao asilo, da igreja aos meios de comunicação, à empresa em que trabalhamos. E dentro do congresso e no legislativo em geral. Se não começar a falar sobre isso, não conseguiremos criar mecanismos para combater o racismo e o colorismo. Para completar, é necessário educar pessoas de pele clara e brancas para que elas desmistifiquem a ideia de que são superiores, um dos efeitos do colorismo em sociedade.
O letramento racial também ajuda a explicar os estereótipos e estigmas que acometem as pessoas negras. De que mulheres pretas e retintas são empregadas domésticas e as mulheres negras pardas são mulatas. De que o homem negro é violento, irracional, ou tem um pênis grande. Então, a gente precisa discutir isso porque impacta a nossa sociedade, que ainda mantém determinadas pessoas em espaços de privilégios e outras em exclusão.
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