Crianças trans são aquelas cuja identidade de gênero difere do sexo atribuído no nascimento.
“A minha criança trans nasceu com o sexo biológico masculino, porém, desde os dois anos trazia um lamento de não querer ser menino”, relembra a presidenta da ONG Minha Criança Trans, Thamirys Nunes.
“Foi um processo desafiador porque eu não tinha contato com o universo LGBTQIAPN+. Tive que me desconstruir como mãe e como pessoa em diversos aspectos para conseguir acolhê-la”, revela Nunes, cuja filha hoje possui oito anos.
O desconhecimento sobre crianças trans faz com que elas e seus familiares enfrentem diversos desafios na escola, na saúde pública e na busca para ter seus direitos reconhecidos.
“Necessitamos urgentemente retirar a questão crianças trans da pauta de costumes e da religiosidade e levá-la para onde devem ser discutidas, que é no campo dos direitos humanos e da proteção e cuidados”, pontua.
Interpretando sinais
Nunes explica que a criança pode demonstrar que não é cisgênero em diferentes momentos, que pode ser da primeira infância até à adolescência.
“O maior problema é que a criança não usa a mesma linguagem dos adultos para se comunicar. Assim, a informação de que ela não é cisgênero pode vir por meio de brincadeiras, desenhos, e outras manifestações que precisarão ser interpretadas”, esclarece.
“Em outras palavras, não é esperar que a criança fale sobre seus desejos e frustrações como um adulto, mas que o adulto treine seu olhar para ter atenção, escuta e conseguir interpretar o que está sendo dito”, diferencia.
Nunes também lembra que não é para os pais se preocuparem caso a criança trouxer uma questão referente à sua identidade de gênero uma única vez. “É preciso que isso apareça de forma persistente”, orienta.
Desafios cotidianos
Para os pais e responsáveis, o processo de acolher uma criança trans pode ser desafiador. “A maternidade e a paternidade de filhos trans não nos é ensinada, por isso, é importante haver grupos de apoio entre pais para troca de experiências”.
Nunes revela que, no ambiente escolar, preconceitos costumam ser manifestados pelos adultos.
“Pode haver bullying por parte de colegas, claro, mas é mais comum o preconceito por parte dos professores, gestão e funcionários, que desrespeitam o nome social. Este é um direito da criança trans, não uma escolha do professor”, enfatiza.
Para ela, a invisibilidade do tema também dificulta a inclusão. “A gente tem que criar as crianças para respeitar todas as pessoas e formas de existência, para saber que as pessoas são diferentes entre si e que podem conviver em sociedade, que é plural e diversa. Mas para respeitar as crianças trans, precisam saber que elas existem”, analisa.
Já na saúde pública, pode haver falta de acolhimento fora dos polos especializados onde as crianças trans são acompanhadas.
“Todo o lugar de atendimento à saúde, incluindo as unidades básicas, deveriam estar preparados para acolher a criança trans e sua família. Lembrando sempre que ser trans não é doença”, avalia.
Ela também destaca para a vulnerabilidade de adolescentes trans na sociedade. “O que vemos é que eles sofrem mais e diferentes tipos de violência, necessitando ser tão protegidos quanto as crianças”, recomenda.
Rede de apoio
O contato de Nunes com outras mães e o ativismo para garantir que os direitos da sua filha fossem respeitados resultou na criação da ONG “Minha Criança Trans”.
“Crianças e adolescentes não têm legitimidade legal e precisam de alguém que lute por eles. Se não formos nós a proteger nossos filhos, ninguém o fará. Ainda mais em um país como o Brasil, que há 14 anos consecutivos está no topo do ranking de morte de pessoas trans no mundo”, justifica.
“Quando temos um filho que foge do padrão heteronormativo, e que pode ser o único com este perfil na família ou escola, pode haver sentimentos de solidão e opressão. Em contrapartida, quando os pais entendem que há outras famílias vivendo o mesmo e que seus filhos são parte da sociedade, há mais forças para lutar pela proteção e direitos deles”, finaliza.
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