Homofobia no futebol: qual o panorama no Brasil?

Especialista vê melhora nas punições, mas menor envolvimento das torcidas organizadas no combate ao preconceito

A homofobia no futebol é a discriminação, preconceito ou hostilidade direcionados a pessoas não-heterossexuais dentro do contexto do esporte, incluindo jogadores e torcedores

“Se, por um lado, vemos a presença de inúmeras jogadoras lésbicas e bissexuais no futebol feminino – o que é uma grande novidade no futebol brasileiro – ainda há preconceito na categoria masculina, embora tenham ocorrido avanços importantes de inclusão”, avalia Onã Rudá, fundador do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQs, que reúne torcedores LGBTQ+ de diferentes clubes do país.

Atletas sofrem ataques

Mas como a homofobia no futebol se expressa? Segundo Onã, um dado concreto é não haver um jogador da categoria masculina que tenha se assumido gay, bissexual ou pansexual em um universo de aproximadamente 60 clubes, contando as séries A, B e C. 

“O ambiente é completamente tóxico: se alguém assumir, pode sofrer perdas na carreira. Este atleta necessitará manter uma vida dupla e mecanismos para se proteger”.

Quando o assunto são ataques, Onã lembra que as redes sociais são um ambiente fértil para preconceitos por parte de torcedores.

“Em 2022, teve o caso de um goleiro do Vasco (Thiago Rodrigues) que postou uma foto com seu irmão, foi entendido como gay e sofreu muitos ataques. Em 2023, um jogador do São Paulo (Gabriel Neves) pintou o cabelo e também foi alvo de preconceitos”, compartilha.

Preconceito afasta LGBTQIAPN+ do futebol

Para os torcedores, o cenário não é menos desafiador. Além dos cânticos homofóbicos das torcidas, há casos de violência. 

“Recentemente, circulou a notícia de que a Mancha Verde expulsou um de seus membros após vazar imagens dele em relações sexuais não-heteronormativas. Invadiram a casa dele e pegaram coisas”, relata. 

Ao final, o resultado é o afastamento da comunidade LGBTQIAPN+ dos estádios. “Essa população não entende o futebol como um esporte que pode ser praticado por ela, ainda que nas atividades cotidianas. Esse tipo de masculinidade tóxica a expulsa”, lamenta.

Casos de homofobia no futebol

Onã vê mudanças positivas nas punições e regulações contra homofobia nos estádios.

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“Houve avanços no cenário regulatório, dos agentes aos árbitros, que possuem um papel importante na avaliação da partida. Porém, ainda há pouco envolvimento de atores que poderiam aprofundar o combate à homofobia no futebol, como as torcidas organizadas”, analisa.

Também ocorreram melhoras Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD), órgão mantido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) que julga as situações ilegais que acontecem nas partidas.

Segundo Onã, historicamente o STJD apresentou dificuldades em reconhecer a homofobia como uma violência, o que gerou diversos arquivamentos de processos.

“Eles passaram a punir com mais rigor atos de homofobia no futebol após a LGBTQIAPN+fobia ter sido comparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019. Houve uma reviravolta positiva, mas há espaço para avançar mais”, opina.

Até então, muitos foram os casos em ocorreram omissões por parte do STJD.

“Tivemos um episódio de homofobia no futebol em 2017, com Remo e Paysandu, mas a justificação para a punição foi ‘desordem’, ou seja, houve uma tentativa de descartar o componente de ódio contra a população  LGBTQIAPN+”, relembra Onã.

 “Houve uma situação em  Fla-Flu, onde a torcida cantou ‘viado’, e o tribunal de entendeu que não houve uma violência homofóbica, o que foi um absurdo”, lamenta.

Em 2020, a torcida organizada do Vitória pendurou a camiseta da torcida LGBTQIAPN+ do clube de cabeça para baixo. O tribunal de Justiça Desportiva entendeu que a notícia-crime tinha prescrito.

“Após o entendimento do STF comparando a homofobia ao racismo, determinou-se que não havia prescrição, e era uma injúria LGBTfóbica”, explica.

Mais avanços são esperados

Segundo Onã, o primeiro caso efetivo de condenação de um clube por denúncia de homofobia foi em um jogo do Flamengo contra o Internacional, em 2021. Este foi seguido de outros.

Em junho de 2023, o Corinthians foi julgado e punido com a perda de um mando de campo com portões fechados pelos cantos homofóbicos entoados pela torcida no clássico contra o São Paulo durante a 6ª rodada do Campeonato Brasileiro.

“É uma grande conquista, pois o Corinthians tinha reincidência em casos de homofobia. E há uma validade para a sentença: a torcida deve se comportar, senão a pena pode ser agravada”.

Para Onã, uma mudança real no combate à homofobia no futebol exigirá o envolvimento de todos os setores do esporte, como lideranças, equipes, atletas e torcidas organizadas.

“Não resolveremos o problema apenas com punição, mas, sim, com educação, sensibilização, construção de empatia e abertura de espaços. Tudo isso contribuirá para um ambiente saudável, não apenas no esporte, mas na sociedade em geral”, finaliza.

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