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O que é fascismo e por que é tão difícil combatê-lo?

Autor explica importância do ódio ao diferente no movimento fascista e como isso conquista apoio popular

O fascismo foi uma ideologia política do início do século XX que defendeu um governo autoritário e centralizado, rejeitando a democracia e a diversidade de ideias para promover um nacionalismo extremo, geralmente, com ideias de superioridade de um povo ou nação.

“Há uma armadilha teórica porque, do ponto de vista formal, o fascismo está superado na história, pertencendo aos regimes totalitários dos anos de 1930 e 1940. No entanto, superamos esse entendimento e vemos que o que caracteriza o fascismo é uma atmosfera agressiva e grupal, prolifera no interior da própria democracia, propagando tendências de preconceito, perseguição e segregação contra minorias sociais”, resume o Doutor em Filosofia da Educação e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp – Marília) Sinésio Ferraz Bueno. 

“Essa dinâmica é impulsionada por um ódio à diferença, que se manifesta em atitudes hostis contra negros, gays, transgêneros, mulheres, imigrantes, entre outros”, acrescenta ele, que é autor do livro O fascismo em dez lições (Editora Unesp).

Em entrevista ao Portal Igualize, Bueno explica porque o fascismo consegue permeabilidade na população e por que é tão difícil combatê-lo.

Igualize: O que é fascismo?

Sinésio Ferraz Bueno: Há uma armadilha teórica porque, do ponto de vista formal, o fascismo está superado na história, pertencendo aos regimes totalitários dos anos de 1930 e 1940.

Como esses regimes foram ditaduras, poderíamos pensar que em regimes democráticos e liberais como os que temos atualmente não poderia haver fascismo. No entanto, superamos esse entendimento e vemos que o que caracteriza o fascismo é uma atmosfera agressiva e grupal, compatível com as sociedades de massa. Essa atmosfera prolifera no interior da própria democracia, propagando tendências de preconceito, perseguição e segregação contra minorias sociais.

Por que isso ocorre?

Bueno: Nas sociedades de massa, grande parte da população é vulnerável ao fascismo, em termos emocionais, por conta dessas tendências de preconceito contra aqueles que representam a diferença na sociedade. Dissemina-se um ódio pela diferença e pelo outro, seja por etnia, cultura, religião, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, nacionalidade, entre outros.

Esse preconceito contra o “diferente”, no caso do Brasil, é contra o negro; o gay; a pessoa trans; a mulher, que está inserida em um imaginário misógino; o imigrante; o morador de rua. Ou seja, todas aquelas pessoas que representam a diferença ou o “outro” são hostilizadas. Essa estigmatização obsessiva da diferença é que alimenta o fascismo.

Qual a origem da estigmatização das diferenças?

Bueno: Ela vem de baixo para cima, não de cima para baixo. Está nas massas. Claro que autoridades políticas e religiosas manipulam o preconceito. Mas, se o preconceito não existisse, elas falariam sozinhas. Líderes autoritários, como Trump e Bolsonaro, seriam ineficientes ao impor suas pautas e angariar popularidade. Em relação a esse preconceito, vou usar um termo da psicanálise de Freud: ele é projetivo. É um mecanismo de defesa, pelo qual a pessoa transfere para o outro aquilo que está nela mesma. Traços de inferioridade, perversidade, promiscuidade, que são imaginários e pertencem ao próprio sujeito, mas são projetados no outro. Nesse sentido, o outro representa um “estranho”. Freud desenvolve o conceito de “estranho” como unheimlich, uma palavra em alemão intraduzível para o português pois significa algo que é estranho e, ao mesmo tempo, familiar. O outro, o diferente, é hostilizado, segregado, perseguido pelo fascista, porque representa uma estranheza que é do próprio sujeito. O ódio pela diferença reflete o ódio por si mesmo, pela própria interioridade emocional do agente do preconceito.

Quais são as principais características de comportamento e movimento fascista?

Bueno: O ódio à diferença, que assume justificativas morais e religiosas. Essas justificativas impedem que o sujeito compreenda esse percurso projetivo, alimentando a aversão pela diferença. Ou seja, a culpa é do outro que é imoral, que tem um comportamento pecador, que vai para o inferno, que tem uma religião maligna, que é inferior etc. Direcionam-se justificativas para segregar minorias sociais, no registro étnico, de gênero, de religião, de nacionalidade etc. Essas tendências, naturalmente, são manipuladas por líderes políticos e religiosos, que alimentam essas certezas pré-existentes, de maneira a impedir que as pessoas olhem para si mesmas e se deem conta de que esse “estranho”, que parece estar no outro, é familiar a si mesmas.

Existem exemplos atuais de governos ou movimentos que apresentam essas características?

Bueno: Os exemplos são vários, mas recentemente, no contexto político, o movimento trumpista e bolsonarista assumem claramente traços fascistas. O bolsonarista se alia às ideias nacionalistas simbolizadas pelo verde e amarelo, e pela ideia de pátria. Tem movimentos cristãos que assumem essas características do fascismo, na medida em que se voltam para pautas moralistas. O conservadorismo moral é um ingrediente básico do fascismo. Podemos citar também outros agrupamentos que não têm necessariamente conotação política, como torcidas de futebol. Elas também se unem artificialmente em torno de uma hostilidade, uma aversão ao torcedor de outro time. Há também micro fascismos, como o bullying em ambientes escolares. Pessoas que humilham outras, sendo que geralmente o humilhado representa o outro e a diferença.

Como o fascismo utiliza o nacionalismo e a xenofobia para consolidar o poder?

Bueno: Eles são ingredientes básicos do fascismo porque reforçam essa tendência do agente do fascismo de olhar para o outro e condená-lo, não para si.

Quais os obstáculos para combater o fascismo?

Bueno: O combate ao fascismo enfrenta um grande obstáculo, porque cada pessoa deveria combater o fascista que existe dentro dela mesma. Eu não tenho como mudar o outro. No limite, é impossível combater o fascismo porque ele depende em grande medida de uma compreensão do sujeito sobre seus mecanismos de defesa emocionais que o levam a visões preconceituosas. Nesse sentido, só é possível combater efetivamente o fascismo no interior do próprio sujeito. Eu consigo combater o fascista em mim, mas o que está no outro, eu não tenho acesso a ele. Por exemplo, pessoas que têm preconceitos e propagam fake news estão armadas contra argumentos, contra fatos objetivos, e eu não tenho acesso a elas; sou incapaz de convencê-las.

Quais ferramentas democráticas podem ser usadas para resistir a tendências fascistas no presente?

Bueno: Cito duas: o fortalecimento da democracia e da justiça. Ou seja das instituições democráticas, e a atuação da justiça no sentido de julgar e punir pessoas que são protagonistas diretas de práticas fascistas. A segunda ferramenta importante é a educação, voltada para processos formativos do sujeito no campo da ética. Ela é fundamental para combater o preconceito contra minorias, tornando as pessoas sensíveis a si mesmas e aos seus próprios processos emocionais.

O discurso fascista pode se mascarar em ‘defesa da liberdade’?

Bueno: Ele é cínico porque não está nem aí para a liberdade. O desejo profundo dele é por uma ordem autoritária. Esse é o aspecto mais perigoso do fascista. Ele finge que é a favor da liberdade, mas, é uma encenação coletiva. As instituições democráticas não podem entrar nesse jogo.

Imagem: Natanaelginting/Freepik

Leonardo Valle
Leonardo Valle
Jornalista e mestre em comunicação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), especializado na cobertura de temas relacionados aos direitos humanos.
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