Diarista uma pessoa que presta serviços domésticos ou de limpeza de forma avulsa, geralmente sem vínculo empregatício fixo, sendo contratada por dia para realizar tarefas como faxina, lavagem de roupas e organização de ambientes. Porém, o criador do perfil Diarista Masculino e consultor Felipe Fersonymee alerta para a necessidade de repensar o conceito.
“O diarista é o profissional que trabalha por dia, mas não o dia todo: ele tem horário de entrada, de almoço e de saída. Ele tem um período de trabalho, um escopo de atividades e, se ultrapassar esse combinado, pode pedir hora-extra”, explica.
“A sociedade precisa saber que quem contrata alguém para fazer limpeza não é patrão, mas contratante. Esse é um processo de desconstrução: entender que diarista é prestador de serviço, que tem conhecimentos. Não somos empregados ou pessoas escravizadas”, relata.
Atualmente, acessar direitos trabalhistas ainda é um problema para os profissionais de limpeza brasileiros. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2023), o país conta com 6,08 milhões de empregados domésticos, incluindo diaristas, jardineiros, motoristas, entre outros. Destes, 91,1% são mulheres e 8,9% são homens.
O perfil da classe é composto por mulheres negras que trabalham como diarista, com idade média de 49 anos, sem carteira assinada e recebendo menos de um salário-mínimo.
Neste cenário, há 15 anos, Felipe Fersonymee produz o conteúdos que discutem desde técnicas de faxina e eficácia de produtos até questões referentes aos direitos da profissão.
Em entrevista ao Portal Igualize, o Diarista Masculino analisa os desafios da profissão, ser homem em uma ocupação majoritariamente feminina e o retorno das colegas profissionais de limpeza sobre o seu conteúdo nas redes sociais. Confira!
Igualize: Como você iniciou o trabalho como diarista?
Felipe Fersonymee: Há 15 anos, eu tive um insight de ganhar uma renda extra fazendo limpeza, porque era algo que eu já tinha habilidade. A minha mãe era diarista e, em casa, as tarefas domésticas eram divididas entre todos. Como eu precisava ter referência para conseguir trabalho, pedi inicialmente para amigos se passarem por meus clientes, mas eu nunca fui diarista deles, eu tinha o conhecimento da minha experiência de casa, mesmo. Divulguei meu trabalho no Facebook, quando meu primeiro contratante ligou.
Como surgiu o Diarista Masculino nas redes?
Fersonymee: A ideia inicial era criar conteúdo para conseguir clientes. Foi quando eu criei o primeiro vídeo limpando uma casa que não era a minha. Mas antes de divulgar, eu pedia autorização do cliente para gravar alguns takes, tomando cuidado para não expor a casa e intimidades, como porta-retratos e ambientes reservados. Só que, nos vídeos, eu não mostrava somente a limpeza, mas o passo a passo do processo, o conhecimento que tenho do produto e da sua aplicação em diferentes superfícies.
Como é o retorno nas redes sociais?
Fersonymee: Há três tipos: o de donos de casa, que desejam me contratar por entenderem que o meu trabalho é diferenciado. Há pessoas que assistem para aprender a limpar corretamente a sua própria casa e que não têm possibilidade de pagar diarista. Para completar, tem o retorno dos demais profissionais de limpeza, já que falo sobre produtos e de posicionamento profissional, que é algo ainda escasso na nossa área. Muitos deles têm conhecimento, mas, por não conseguirem se posicionar frente aos contratantes, não conseguem se colocar no mercado de forma financeiramente rentável.
Como é a interação com outros profissionais de limpeza?
Fersonymee: Aos poucos, eu fui percebendo que pessoas que trabalhavam como diaristas usavam as redes sociais apenas de forma pessoal, e comentavam que achavam os meus vídeos legais. Foi quando eu passei a abordar também a importância de criar um perfil profissional, porque a rede social é uma vitrine para divulgar trabalhos. Uma curiosidade é que a interação nunca era por comentário de posts, mas nas mensagens privadas, porque muitos tinham vergonha de falar que trabalhavam com limpeza.
O que a sociedade precisa saber sobre profissionais de limpeza que ainda não sabe?
Fersonymee: Primeiro, que quem contrata alguém para limpeza não é patrão, mas contratante. Esse é um processo de desconstrução: entender que esse profissional é um prestado de serviço, que tem conhecimentos. Não somos empregados ou pessoas escravizadas. E, muitas vezes, cabe ao profissional de limpeza desconstruir esse contratante. Outro ponto é que o diarista é o profissional que trabalha por dia, mas não o dia todo. Ele tem horário de entrada, de almoço e de saída. Ele não tem que entrar sete da manhã e sair dez da noite para conseguir limpar uma casa. Ele tem um período de trabalho, um escopo de atividades e, se ultrapassar esse combinado, ele deve pedir hora-extra. E, por fim, carregamos, por conta de uma questão estrutural e escravocrata, a ideia de que o profissional de limpeza tem que fazer tudo dentro de uma casa. Mas passadoria de roupa e cozinhar são coisas diferentes. No meu escopo de limpeza, por exemplo, não estes dois não estão previstos. Caso o cliente desejar, ele contrata um dia a parte e eu vou ao local apenas para fazer isso.
Quais os desafios da classe de diaristas hoje?
Fersonymee: O posicionamento do profissional dentro da casa do cliente. Dele entender que é um profissional, assim como em outras áreas, com horários pré-estabelecidos e direito a hora extra. Por isso, é importante combinar o valor da diária e os serviços previstos dentro dela antes de fechar um trabalho. É importante deixar claro que cada profissional tem seu formato de trabalho, mas que é preciso colocar uma carga horária dentro disso. Caso contrário, fica muito extenso. Você acaba trabalhando demais, ganhando pouco, ficando para além do horário combinado e o cliente não paga mais por isso. É complicado, porque as pessoas que trabalham como diaristas têm dificuldade de falar ‘olha, eu entro tal hora e saio tal hora, se precisar ficar mais, você vai pagar hora extra ou agendar outra diária’.
Você enxerga privilégios por ser do gênero masculino?
Fersonymee: Obviamente, por conta do machismo, que é muito enraizado. Existe um lugar de atenção que é dado para nós só por sermos homem. Como homem falando sobre a minha profissão, que é majoritariamente feminina, tenho cuidado não parecer que sou melhor, o que não é verdade. Mas eu tenho uma luta para valorizar o conhecimento na profissão, de que a limpeza não é só e passar um paninho. Todas as profissões têm uma formação, mas, quando se trata de diaristas, não existe um curso. Por isso, a necessidade de buscar informações e se posicionar como profissional que tem conhecimento adquirido. Quando a gente se coloca como prestador de serviço e sabe que aquela pessoa é uma contratante, que você não é empregado, a relação muda de figura.
Houve alguma situação curiosa que marcou esses anos no diarista masculino?
Fersonymee: Eu já fui solicitado para trabalhar em um velório, fazendo a limpeza dos banheiros e a assistência do café. Foi algo que nunca tinha acontecido antes, então, achei curioso. Eu já trabalhei em um terreiro umbanda, limpando o espaço e as imagens, e essa foi uma experiência muito legal, por que ajudou a quebrar estereótipos. Outra situação curiosa foi limpar uma casa de profissionais do sexo. Aprendi com todas.
(Imagem: Programa Mulheres/TV Gazeta/ Divulgação)